domenica, marzo 16, 2008

ph Lilian Alves
LilianAlves
ERIKA – Quem seriam pra você hoje os marginais em atividade?
PERÉIO – Calma aí. O seguinte: quando não tem o leito do rio não tem margem, né? E, por exemplo, no Brasil todo mundo já nasce marginal. Quer dizer, porra, caralho. Nosso presidente da República é o Lula, caralho! Onde é que está o leito desse rio? É tudo margem! Então quer dizer, ser marginal no Brasil tem que descobrir uma brecha, que, porra, se o presidente da República fala mal das elites, que elites são essas? São elites falopéicas, imaginárias. Então o cara está querendo se colocar como um marginal, o cara que era ferramenteiro... Mas ele é a elite.
ERIKA – Então vamos falar de São Paulo.
PERÉIO – Adoro São Paulo. Sinto falta de chão em São Paulo. E ando na rua, não tenho medo de nada, só tenho covardia porque senão você morre. Pintou sujeita, a covardia te possui e quando você vê está a quilômetros de distância. Mas gosto de andar na rua. Uma vez fui contando os que já estavam embrulhadinhos pra dormir e quando chegou no 40 eu parei. O cidadão paulista entregou o chão pro povo da rua. O que os novos prédios estão fazendo é que não tem chão, tem os obstáculos pra ninguém estacionar... Não tem como andar na rua. São Paulo é uma cidade sem solo, sem chão. (...)



O trecho acima foi publicado em entrevista com o ator e apresentador, do programa Sem Frescura (Canal Brasil), Paulo César Peréio na revista KEY 08 (dezembro, 2007). Quando você lê este tipo de coisa numa revista dirigida por Érika Palomino (jornalista símbolo da cultura eletrônica brasileira nos anos 90 e famosa por ser do tipo que protegia alguns estilistas do "mundo fashionista"), numa publicação que a princípio é especificamente "de Moda", e quando vê na mesma revista editoriais fotográficos assinados por Miro mixando Alexandre Herchcovitch, Huis Clos, sacos de lixo e fotografias dos mendigos no centro de São Paulo por Paulo Giandalia; além de ver páginas e páginas preenchidas com a pintura política de Hildebrando de Castro em texto de Celso Fioravante e ainda colagens urbanas de Carlos Fajardo... ou ainda editoriais fotográficos assinados por Marlene Bérgamo e Mari Queiroz mixando os diversos tipos de morte no asfalto, em localidades que vão desde a Galeria Melissa nos Jardins até o bairro Munhoz Junior em Osasco, e quando você ainda recorda-se da temática da última edição da "São Paulo Fashion Week" (convivência urbana), então percebe que tudo valeu a pena naquele trabalho de formiguinha.
Desde ir de ônibus ao Ibirapuera assistir ao primeiro desfile do seu ‘estilista - ídolo’, desde vestir a Rebecca de noiva presidiária baleada ou escrever poesia para a menina Jessilene vendedora de lixas que tornavam-se flores pelas lentes do Barrox, até colocar na passarela as pessoas-poste envoltas por moulage de faixas de porcos políticos ou até tentar através de um simples vestido mostrar a algumas centenas de pessoas que não somos marionetes do poder, até conseguir transformar um pouco a possibilidade de pensamentos sobre processo criativo de uma equipe de trabalho num lugar completamente adverso do seu (que é Brusque), até conseguir fazer circular mensagens um pouco melhores através da linguagem de moda para grandes marcas e redes de magazine (graças à mesma, Brusque).
Então você agradece porque espiritualmente não estava mesmo sozinha (apenas parecia que falava sozinha e só os seus professores e amigos te entendiam – esses muitas vezes porque te amavam antes de entender) e você entende, sobretudo, que a dura pena que há vir ainda sempre valerá mais e mais, pois já consegue manter-se no mercado brasileiro um pequeno rol de publicações de pensamentos de moda, inseridas no contexto da vida real (a revista Catarina segue outra linha, mas também é muito interessante).
É, a moda está mudando, parece então que os ares da Vila Madalena fizeram bem para o jornalismo da Érika (onde ela instalou a sua casa-escritório) e já dá pra ter até um certo orgulho desta minha profissão... de ser quasestilista um pouco passada (inclusive com aqueles que não percebem coisas básicas a respeito de nossos poderosos instrumentos de comunicação, como a moda, que pode ser música ou poesia simplesmente concretizadas), por isso é bom agora voltar mesmo às ruas de São Paulo a recolher a parte que me cabe naquele chão que Peréio diz não existir mas que amo reconhecer, andar, cumprimentar, ler, decodificar, perceber sutilmente, melhorar, viver.
Mas antes disso, uma foto local também como prova de que é possível ser essa louca poesia contraditória em qualquer lugar. Ainda bem!


Lilian Alves é estilista e uma das fundadoras do Jornal da Praça

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