venerdì, agosto 17, 2007

capa: fotografia e projeto gráfico Eduardo Barrox
A Benedito Calixto e Eu

por Mouzar Benedito


Bares, feira de artes e antigüidades, chorinho, muita gente paquerando e namorando... Cada sábado que vou à praça Benedito Calixto, eu me sinto em casa, ou melhor, na "minha" praça. Tenho muitas ligações com ela.
Meu primeiro contato com a Benedito Calixto foi quando eu tinha 16 anos. Cheguei de Minas em fevereiro de 1963 (há mais de quatro décadas!!!) e fui morar numa pensão da rua Lisboa, pertinho da praça, meu ponto de passagem obrigatório nas manhãs de domingo, quando ia à missa das 9h na igreja do Calvário. Não ia por religiosidade, mas porque – especialmente na missa das 9 – a igreja era palco de um verdadeiro desfile de mocinhas bonitinhas, que não paravam nos seus lugares, iam lá, me parecia, especialmente pra paquerar. E eu também.
Mas que os religiosos não se indignem comigo. Havia quem paquerasse em lugar menos apropriado. Um colega catarinense também atravessava a praça todos os domingos pra paquerar... no cemitério São Paulo, do outro lado da rua. Ele ficava perto do portão vendo a entrada de visitas e, quando entrava alguma mocinha bonita vestida de preto partia para a abordagem, imaginando que seria uma viúva nova, saudosa de carinhos.
Na época, todo o trânsito de Pinheiros se concentrava na rua Teodoro Sampaio, que tinha mão dupla, ônibus e bonde nos dois sentidos. A Cardeal Arcoverde era vazia. Então, a parte "de cima" da praça, perto da igreja, era um sossego, sem barulho, lugar gostoso pra ficar à toa.
Depois de uns seis meses de pensão, saí com uma turma de conterrâneos que também moravam lá para formar uma república chamada Consulado Mineiro, na rua Joaquim Antunes. Mas minhas paqueras na missa e na saída da igreja continuaram todos os domingos.
Em dezembro de 1968, um ato da ditadura me trouxe de novo à praça. Depois do Ato Institucional número 5, a polícia e o exército fecharam o Crusp (Conjunto Residencial da USP), onde eu morava, prenderam todos os moradores e, quando a gente saiu da cadeia não tinha onde morar. Por coincidência, um prédio de apartamentos havia acabado de ser construído, na esquina da Cardeal Arcoverde com a Benedito Calixto, e as moradias não estavam sendo postas à venda, mas à locação. Quase todos os apartamentos viraram repúblicas de ex-moradores do Crusp. Tanto que o prédio passou a ser chamado de "Cruspinho". Muitos hábitos do próprio Crusp foram mantidos nele, como o de se colocar panfletos embaixo da porta. Todos os dias apareciam panfletos contra a ditadura, a favor de uma determinada tendência política etc.
Eu não fui morar no Cruspinho, mas muitas amigas foram e eu as freqüentava, de vez em quando ficava com uma. Mas tinha um problema: moravam várias moças em cada quarto, não dava pra namorar lá dentro. E muitas madrugadas desci com uma moradora para namorar no meio da vegetação da praça. Uma vez fomos flagrados pela polícia, que abriu a porta do camburão e mandou a gente entrar. Além de "atentado ao pudor", um policial dizia que era perigoso o que fazíamos, podíamos ser assaltados. Acabou deixando a gente voltar pro prédio, e tenho que confessar uma coisa a favor da polícia: ela não nos achacou, não pediu dinheiro.
Já por volta de 1979 ou 80, o Teatro Lira Paulistana, na Teodoro Sampaio, bem em frente à praça, foi o motivo para minha volta ao velho "lar". No Lira, vibrávamos com Tetê Espíndola, Itamar Assunção, Premê, Língua de Trapo, Paranga e muitos outros. Mas o Lira não durou muito.
Depois disso, eu passava pela praça de vez em quando e a considerava desperdiçada, um espaço gostoso e bem localizado, mas quase abandonado. Em 1987, quando ia lançar meu primeiro livro, Santa Rita Velha Safada, cheguei a propor à editora que fizéssemos o lançamento na Benedito Calixto, num sábado à tarde. Levaríamos para lá uma mesa, algumas cadeiras e dois garrafões de cachaça, e só. Mas ela não topou.
Aí veio o governo Erundina, e conversei com vários petistas levantando a possibilidade de criar espaços culturais e etílicos em cada bairro, e o primeiro deles, que eu gostaria de participar da criação, seria a praça Benedito Calixto. Minha idéia era fechar um dos lados da praça, transformando-o em calçadão com bares, restaurantes e livrarias. Num terreno na época desocupado, a prefeitura poderia construir um grande centro cultural, com teatro (não só a sala de espetáculos, mas vários espaços para ensaios, reuniões de grupos), biblioteca e cinema. Não colou.
Enfim veio o restaurante Consulado Mineiro, com o nome que evocava minha velha república de estudantes. Depois, a feira de artes e artesanato, trazendo uma função lúdica e cultural para a praça, mas eu sentia falta de algo: livros. Tinha muita coisa legal mas faltava uma barraca de livros, até que em 1999 – tive um pouco de "culpa" nisso, fiquei propondo que se fizesse isso – o Edson criou o projeto O Autor na Praça. Pronto. Com mais bares, uma livraria e ali pertinho uma biblioteca, e até uma sociedade de amigos dela, a praça e sua feira são hoje uma referência em São Paulo, um grande atrativo para paulistanos e também gente que vem de fora. Como muitos outros, eu me sinto meio dono dela, o que tem lógica, pois, como dizia Castro Alves, a praça é do povo como o céu é do condor. Os condores não existem mais por aqui e muitas praças paulistanas já não são do povo, estão cercadas, gradeadas, inacessíveis. Que não seja o caso da Benedito Calixto. Nós que ainda acreditamos na poesia queremos que cada vez mais a praça seja do povo, como o céu deve ser dos passarinhos todos, não só do condor. Um mundo sem gaiolas para as aves nem para nós!


Mouzar Benedito é escritor, autor dos livros Santa Rita Velha Safada (causos), Pobres, Porém Perversos (romance), Pequena Enciclopédia Sanitária (humor), Pequeno Dicionário Analfabético de Abobrinhas (humor), Memória Vagabunda (causos e frases), Este livro é uma piada (humor), Dívida Externa - eles gastam, nós pagamos ("paradidático", com Maringoni), Serra, Mar e Bar (causos, parceira com 4 escritores), Ousar Lutar - memórias da guerrilha que vivi (com José Roberto Rezende), Ferrer, Bill Ferrer - detetive heterodoxo (policial - com Saphira Mind) + dois volumes da mesma série policial - são 3 volumes, Luiz Gama, o libertador de escravos, e sua mãe libertária, Luíza Mahin (biografia), Barão de Itararé - herói de três séculos (biografia), Anuário do Saci (agenda/mitologia/história do Brasil), com Ohi;
além de participar de várias coletâneas.

venerdì, agosto 10, 2007

ph Barrox Verônica Tamaoki foi a convidada do sábado 11 de agosto, no projeto O Autor na Praça, na Feira de Arte da (praça) Benedito Calixto. Ela autografou os livros O Fantasma do Circo e Circo Nerino, este em co-autoria com Roger Avanzi.