giovedì, marzo 27, 2008

phBarrox
O coletivo de arte Dulcinéia Catadora foi a primeira atração do projeto O Autor na Praça em 2008. Integrantes do grupo se apresentaram e realizaram oficina no Espaço Plínio Marcos - Feira de Arte da Praça Benedito Calixto - no sábado 29 de março.
O Dulcinéia Catadora edita livros com capas de papelão feitas por adolescentes recém-saídos das ruas, catadores de papel e filhos de catadores. Além disso o grupo conta com a participação de escritores e artistas plásticos, como Lucia Rosa - que iniciou a versão brasileira do original argentino Eloisa Cartonera, conhecido no Brasil a partir de sua participação na 27ª Bienal de São Paulo.
Os trabalhos são realizados numa pequena sala cedida pelo Projeto Aprendiz no bairro da Vila Madalena, em São Paulo, e editados a partir de textos cedidos pelos próprios autores. Com isso já foram feitos livros de autores consagrados como Haroldo de Campos, Jorge Mautner e Carlos Pessoa Rosa, entre outros. Além desses, Lucia soma nomes de escritores desconhecidos vindos de situações-limite, como o ex-sem teto Sebastião Nicomedes.
Dulcinéia Catadora é um dos quatro projetos de já criados na América do Sul: além dele e do Eloisa Cartonera, existem núcleos no Peru - o Sarita Cartonera - e o Yerba Mala, na Bolívia. O conceito que une os grupos é a difusão de novos autores pela América Latina através destes caminhos editoriais alternativos.
Os trabalhos produzidos pelo grupo são vendidos a $5, na séde, r. Pe. João Gonçalves, 100; ou em locais como o Espaço Plínio Marcos, na Pça Benedito Calixto; Galeria Vermelho; Mercearia São Pedro; ou na Livraria Realejo, na cidade de Santos.

domenica, marzo 16, 2008


ph Lilian Alves
LilianAlves
ERIKA – Quem seriam pra você hoje os marginais em atividade?
PERÉIO – Calma aí. O seguinte: quando não tem o leito do rio não tem margem, né? E, por exemplo, no Brasil todo mundo já nasce marginal. Quer dizer, porra, caralho. Nosso presidente da República é o Lula, caralho! Onde é que está o leito desse rio? É tudo margem! Então quer dizer, ser marginal no Brasil tem que descobrir uma brecha, que, porra, se o presidente da República fala mal das elites, que elites são essas? São elites falopéicas, imaginárias. Então o cara está querendo se colocar como um marginal, o cara que era ferramenteiro... Mas ele é a elite.
ERIKA – Então vamos falar de São Paulo.
PERÉIO – Adoro São Paulo. Sinto falta de chão em São Paulo. E ando na rua, não tenho medo de nada, só tenho covardia porque senão você morre. Pintou sujeita, a covardia te possui e quando você vê está a quilômetros de distância. Mas gosto de andar na rua. Uma vez fui contando os que já estavam embrulhadinhos pra dormir e quando chegou no 40 eu parei. O cidadão paulista entregou o chão pro povo da rua. O que os novos prédios estão fazendo é que não tem chão, tem os obstáculos pra ninguém estacionar... Não tem como andar na rua. São Paulo é uma cidade sem solo, sem chão. (...)



O trecho acima foi publicado em entrevista com o ator e apresentador, do programa Sem Frescura (Canal Brasil), Paulo César Peréio na revista KEY 08 (dezembro, 2007). Quando você lê este tipo de coisa numa revista dirigida por Érika Palomino (jornalista símbolo da cultura eletrônica brasileira nos anos 90 e famosa por ser do tipo que protegia alguns estilistas do "mundo fashionista"), numa publicação que a princípio é especificamente "de Moda", e quando vê na mesma revista editoriais fotográficos assinados por Miro mixando Alexandre Herchcovitch, Huis Clos, sacos de lixo e fotografias dos mendigos no centro de São Paulo por Paulo Giandalia; além de ver páginas e páginas preenchidas com a pintura política de Hildebrando de Castro em texto de Celso Fioravante e ainda colagens urbanas de Carlos Fajardo... ou ainda editoriais fotográficos assinados por Marlene Bérgamo e Mari Queiroz mixando os diversos tipos de morte no asfalto, em localidades que vão desde a Galeria Melissa nos Jardins até o bairro Munhoz Junior em Osasco, e quando você ainda recorda-se da temática da última edição da "São Paulo Fashion Week" (convivência urbana), então percebe que tudo valeu a pena naquele trabalho de formiguinha.
Desde ir de ônibus ao Ibirapuera assistir ao primeiro desfile do seu ‘estilista - ídolo’, desde vestir a Rebecca de noiva presidiária baleada ou escrever poesia para a menina Jessilene vendedora de lixas que tornavam-se flores pelas lentes do Barrox, até colocar na passarela as pessoas-poste envoltas por moulage de faixas de porcos políticos ou até tentar através de um simples vestido mostrar a algumas centenas de pessoas que não somos marionetes do poder, até conseguir transformar um pouco a possibilidade de pensamentos sobre processo criativo de uma equipe de trabalho num lugar completamente adverso do seu (que é Brusque), até conseguir fazer circular mensagens um pouco melhores através da linguagem de moda para grandes marcas e redes de magazine (graças à mesma, Brusque).
Então você agradece porque espiritualmente não estava mesmo sozinha (apenas parecia que falava sozinha e só os seus professores e amigos te entendiam – esses muitas vezes porque te amavam antes de entender) e você entende, sobretudo, que a dura pena que há vir ainda sempre valerá mais e mais, pois já consegue manter-se no mercado brasileiro um pequeno rol de publicações de pensamentos de moda, inseridas no contexto da vida real (a revista Catarina segue outra linha, mas também é muito interessante).
É, a moda está mudando, parece então que os ares da Vila Madalena fizeram bem para o jornalismo da Érika (onde ela instalou a sua casa-escritório) e já dá pra ter até um certo orgulho desta minha profissão... de ser quasestilista um pouco passada (inclusive com aqueles que não percebem coisas básicas a respeito de nossos poderosos instrumentos de comunicação, como a moda, que pode ser música ou poesia simplesmente concretizadas), por isso é bom agora voltar mesmo às ruas de São Paulo a recolher a parte que me cabe naquele chão que Peréio diz não existir mas que amo reconhecer, andar, cumprimentar, ler, decodificar, perceber sutilmente, melhorar, viver.
Mas antes disso, uma foto local também como prova de que é possível ser essa louca poesia contraditória em qualquer lugar. Ainda bem!


Lilian Alves é estilista e uma das fundadoras do Jornal da Praça
ph Puri
A imagem-cor do som
por DanielaAragão

Outro dia conversava com um amigo sobre "canais de recepção". Se me faço entender, o assunto nada tinha a ver com conexões eletrônicas, televisão, internet, celular. Falávamos de nossas habilidades para apreender/captar o mundo. Não fugindo à regra do "ser masculino", ele me disse que absorve a vida através do olhar. Como bom voyeur, está sempre ligado na sedução das imagens que alimentam seu imaginário. Não foi à toa que Baudelaire escreveu o poema "A une passante", dedicado a uma mulher desconhecida que lhe cruzara o caminho. A "Garota de Ipanema", de Tom e Vinicius, é novamente o voyeurismo do macho revivenciado no trópico.
"Um tom pra cantar/um tom pra falar/um tom pra viver/ um tom para a cor/um tom para o som/ um tom para o ser", canta Caetano. Minha percepção do mundo se dá pelo som. Música pra mim tem cheiro, sabor, forma, cor e perfume. Tatuei no ombro esquerdo um violão azul e no punho direito uma clave de sol para que a música fique eternizada na memória de meu corpo.
A relação entre som e cor me instiga desde os tempos em que passava as tardes na casa do meu saudoso amigo, o pintor Dnar Rocha. Ele pedia-me para que cantasse e tocasse qualquer canção que me batesse forte enquanto ia misturando as tintas e elaborando os primeiros traços de um novo trabalho. Apaixonado por Orlando Silva, Dnar adorava me contar as histórias do cantor das multidões. Em algumas ocasiões aparentava certa nostalgia, mas antenado que era não deixava passar incólume por seu humor cáustico tudo o que invadia seus olhos e ouvidos. "Daniela, eu vi no mapa um lugar chamado Batatais, gostei do nome, tô pensando em me mudar pra lá."
Uma saudade do Dnar tomou conta de mim quando recentemente visitei no Paço Imperial, no Rio, a exposição "A imagem do som do samba". Artes visuais e música se unem sob o olhar de oitenta artistas plásticos que fazem leituras de oitenta sambas. Esse trabalho dialógico é original em seu caráter inventivo. Composições esquecidas ou cristalizadas no inconsciente coletivo, como "Ai, que saudade da Amélia!", de Ataulfo Alves e Mário Lago, ganham interpretações revigoradas.
Devido ao inesperado da visita, não carregava minha máquina fotográfica. Para não perder as imagens fui anotando no caderninho alguns detalhes das obras correspondentes às canções que mais me sensibilizavam. Ao lado de cada tela, foto ou instalação havia um fone para que o visitante participasse com todos os seus sons e sentidos.
Essa exposição é o prolongamento de outras realizadas com a mesma proposta. Caetano Veloso, Tom Jobim, Chico Buarque e Gilberto Gil tiveram antes seus versos e melodias viradas do avesso. A riqueza da obra desses artistas possibilitou uma multiplicidade de olhares. A predominância do foco na questão urbana, como é o caso de Chico Buarque, não impediu que despontassem interpretações absolutamente distintas.
Em "A imagem do som do samba" optei por seguir fielmente o trajeto delimitado pelos curadores. Fui ouvindo as canções na seqüência da disposição espacial das obras. Uma das interpretações que mais me chamou atenção foi a de Irene Peixoto. A artista imprimiu sua marca na leitura de "Mora na filosofia", de Monsueto e Arnaldo Passos: "Mora na filosofia pra que rimar amor e dor/ Se seu corpo ficasse marcado/ por lábios ou mãos carinhosas/ eu saberia (ora vá mulher)/ a quantos você pertencia/ Não vou me preocupar em ver/ seu caso não é de ver pra crer: ta na cara..." Irene apresenta a foto de um homem nu em posição fetal repleto de carimbos com frases de filósofos e imagens de posições sexuais. A interpretação de Caetano ganha em pulsação erótica na obra que sobrepõe pensamentos e corpos em cópulas sobre o corpo que nasce.
A exploração do tema amoroso é constante na maior parte dos trabalhos, o que não foge à regra da história do cancioneiro nacional. Amores impossíveis, relacionamentos desfeitos, brigas, lágrimas, uniões, um carnaval de dor e prazer contamina o universo dos nossos sambas. É notável a maneira como esses artistas tentam fugir do lugar comum, "A voz do morro" de Zé Kéti é revista sob a ótica da violência conforme representa a metralhadora fotografada por Rodrigo Lopes: "Eu sou o samba/ A voz do morro sou eu mesmo sim senhor/Quero mostrar ao mundo que tenho valor/ Eu sou o rei dos terreiros/ Eu sou o samba sou natural aqui do Rio de Janeiro/ Sou eu quem leva alegria para milhões/ De corações brasileiros".
Heloísa Faria brinda a alegria tropical de "Brasil Pandeiro" (Assis Valente) interpretada pelos Novos Baianos. Abusando do kitsch, a artista enche uma taça com purpurina nas cores da bandeira nacional. Entre ondas de azul, verde e amarelo se fixa um pequeno pandeirinho que convida o espectador a entrar no ritmo: "Brasil, esquentai vossos pandeiros/ Iluminai os terreiros que nós queremos sambar".
Caminhar pelos interstícios da subjetividade foi a opção de Jair de Oliveira ao ler "Falsa Baiana" (Geraldo Pereira) na interpretação magistral de João Gilberto: "Baiana que entra no samba e só fica parada/ Não samba, não dança, não bole nem nada/ Não sabe deixar a mocidade louca/ Baiana é aquela que entra no samba de qualquer maneira/ Que mexe, remexe, dá nó nas cadeiras/ Deixando a moçada com água na boca". Aos olhos e ouvidos de Jair a "falsa baiana" não transcende o plano imaginário – e ele expõe apenas uma cadeira vazia que o espectador ocupa com sua própria baiana imaginada.
Representação delicada leva o samba "Quantas lágrimas", de Manacéa. A interpretação de Cristina Buarque é valorizada com o grande painel fotográfico do artista Rafael Jacinto. A obra apresenta três belas mulheres na faixa dos trinta anos com as faces avermelhadas de choro. A força da imagem elimina o ar meio passadista da canção: "Só melancolia os meus olhos trazem/ Ai, quanta saudade a lembrança faz/ Se houvesse retrocesso na idade/ Eu não teria saudade da minha mocidade".
Vou relendo minhas anotações e tentando reconstruir imagens. Sou invadida por uma saudade intensa do Dnar. Música e artes plásticas são uma coisa só, não preciso ir a Batatais para conferir.

Daniela Aragão é Mestre em Literatura Brasileira
pela Universidade federal do Rio de Janeiro.
Escreve artigos para jornais e sites
e uma de suas paixões é o estudo da relação entre música e poesia.
Atualmente trabalha num projeto para gravar composições
interpretadas por Nara Leão, num tributo à cantora.