domenica, aprile 29, 2007

phBarrox
Magda Pucci, que estréia coluna no Jornal da Praça

Universalidade
Não SignificaGlobalização
Nós Nos Bastamos?

por Magda Pucci

Às vezes em nosso canto passam acentos nórdicos, suecos e noruegueses... Como que vieram parar aqui? Acentos idênticos também se encontram em Portugal e principalmente na Espanha. Às vezes um canto nosso é... russo duma vez. Outras vezes é um canto russo que, mudando as palavras, todos tomariam por brasileiro (...) Na realidade, foi de uma complexa mistura de elementos estranhos que se formou a nossa música popular. (Mário de Andrade)

Ninguém duvida do poder universal da música. Quando ouvimos uma música africana, ou indiana ou árabe percebemos que há algo nelas que transcende as fronteiras geográficas e políticas. Mesmo não entendendo uma única palavra nos sentimos envolvidos por alguns elementos daquela música estranha ao nosso repertório cotidiano. Vamos ao óbvio ululante: a música tem códigos universais que podem ser compreendidos em qualquer parte do mundo. E mesmo aquelas músicas, que passam de geração em geração pela tradição oral, conservam algumas características peculiares de um lugar, mas há também ali, aspectos universais. E isso é fato antigo e não fenômeno exclusivo da globalização.
Em 1930, o compositor húngaro Bela Bartók, a convite do governo, pesquisou músicas da Hungria e dos países vizinhos, buscando coletar qualidades nacionais definidoras de uma "superioridade nacional". Qual não foi sua surpresa quando ele observou que uma melodia do deserto do Saara era idêntica a um canto húngaro, sem que houvesse a comprovação de migrações entre os dois lugares. Bartók, então, entendeu que estruturas básicas se repetiam em lugares diferentes e distantes e que elas formavam elos, que constituíam ‘coincidências’ musicais de caráter universal - idéia que se contrapunha ao nacionalismo do momento. Com isso, concluiu que a música popular era impura e que isso lhe propiciava uma riqueza esplêndida – conceito que criou problemas para Bartók, pois ele não só perdeu seu emprego como também teve que se exilar.
Mas ainda, hoje, há quem queira defender e ou buscar a "autenticidade", a "pureza" e a "originalidade" da música, esquecendo-se que ela, a música, talvez seja a arte mais esponjosa de todas, a mais "maria-vai-com-as-outras", a mais antropofágica, pois se mistura com grande facilidade. Ainda mais depois de todas as miscigenações e colonizações dos séculos passados, ficou cada vez mais difícil definir o que é "de raiz". Mas virar as costas para o mundo dificulta tudo. Se ouvíssemos a música do mundo, não conheceríamos melhor a nós mesmos? Quando as pessoas criticam a world music, eles a acusam de ser globalizada, sem personalidade, mas se esquecem que a universalidade não passa pelo filtro da modernidade e muito menos da pós-modernidade amplificada pelos atuais meios de comunicação. O que é globalizante é ouvir o dia todo música pop americana de péssima qualidade ou ficar achando que a MPB do Tom é que era a boa... Não percebemos que a música brasileira anda fragmentada e indecisa, segue desprezando as tradições mais interessantes e deseja a todo custo se equiparar a um "padrão globalizado" das trilhas sonoras das novelas. O pop brasileiro é ruim, a MPB está sem saber para onde ir, a nossa música eletrônica é medíocre. Por que não aproveitamos os meios de comunicação para propiciar trocas culturais criativas? Afinal, esse intercâmbio cultural não é fato recente como dizia Bartók e Mário de Andrade no inicio do século passado.
Por que vamos ficar nos preocupando com o que é ser brasileiro de verdade? Será que deveríamos nos isentar de "conhecer o outro" porque temos uma cultura tão rica que não precisa de mais nada? Nós nos bastamos? Será que deixaremos de ser brasileiros se ouvirmos o son cubano, a raga indiana? Será que Picasso foi menos espanhol porque se inspirou nas máscaras africanas para compor seus quadros cubistas? Será que Debussy se globalizou quando compôs suas peças baseando-se nos sons dos gamelôes balineses?
Ao virarmos as costas para o mundo, corremos o risco de perder a possibilidade de captar elementos primordiais que são propulsores de idéias que se rearticulam ciclicamente, formando combinatórias musicais perenes, mas ao mesmo tempo plásticas e mutáveis. Elementos que impulsionam não só descobertas estéticas, mas como também tiram a poeira da história, desvenda mitos, faz respirar a antropologia e possibilita a criação de percursos artísticos intrigantes. Isso é ser pós-modernista. Idéias nacionalistas e ufanistas certamente são coisas do passado. O fenômeno da globalização parece nivelar tudo por baixo, mas com sabedoria, saberemos não nos intimidar e partir em busca de outros sons para uma renovação mental, se os deuses nos ajudarem!
Pretendo então escrever sobre a música que se faz por aí no mundo afora, aquela que a gente pouco conhece. Eu, Magda Pucci, prometo a vocês, leitores do Jornal da Praça, abastecer-vos de pequenas doses mensais de música bacana, aquela que fica meio de lado nas rádios comerciais.
Você pode ouvir o que eu toco no site da radio USP www.radio.usp.br, clicar em programas, e depois em Planeta Som na coluna da direita e ouvir os programas produzidos desde 2004. Boa viagem pela música de todos os povos!!!



Magda Pucci produz e apresenta, há mais de 10 anos, o programa de rádio Planeta Som, transmitido pela Rádio USP FM 93,7 sábado às 11h e domingos às 16h, pela rádio alemã Multikulti (série World Music Night) e mais recentemente pela Rádio Universitária de Londrina. "Eu adoro fazer esse programa porque toco o que gosto, eu mesma faço a seleção musical, escrevo os roteiros, faço as entrevistas (poucas, mas faço) e agora estou tentando atualizar o site do programa." No blog http://magdapucci.wordpress.com, na sessão de textos, você lê sobre sua experiência no III Jornadas Radiofônicas na PUC-SP. Magda também é musicista e líder do grupo Mawaca, especializado na música de todos os povos.


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